Oscar Bosch: a tradição das tapas segundo o chef espanhol
Nascido na região da Catalunha, nordeste da Espanha, o chef Oscar Bosch, que está à frente do restaurante Tanit (www.restaurantetanit.com.br, @restaurantetanit) e do bar Nit (@nit_bardetapas), ambos na capital paulista, conhece bem a tradição das tapas.
Essa comida afetiva era servida por seus avós, no primeiro restaurante da família, em Cambrils, cidadezinha situada entre Barcelona e Valência. O pai e o irmão de Oscar seguem lá, comandando o restaurante Can Bosch, dono de uma estrela Michelin há mais de 35 anos.
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Depois de iniciar carreira no restaurante da família, Oscar trabalhou em casas comandadas por grandes chefs, como o El Bulli, de Ferran Adrià. Vivendo no Brasil há dez anos, em 2016, com mais três sócios, ele abriu o Tanit, dedicado à cozinha autoral de inspiração mediterrânea. No ano seguinte, recebeu o prêmio Chef do Ano, do guia Veja São Paulo Comer e Beber.
No ano passado, ao lado do Tanit, ele abriu o Nit, um bar de tapas, que também foi premiado na edição deste ano do mesmo guia. Portanto, ninguém melhor que Oscar para nos apresentar a tradição das tapas. Confira nesta entrevista:
Como podemos definir as tapas?
Para os espanhóis é uma forma de vida. Faz parte da nossa cultura. Uma coisa que está muito no nosso dia a dia. Você fala “vamos sair de tapas”, é como dizer “vamos petiscar”. É uma forma de encontrar ou se reunir com amigos, familiares e até parceiros de negócios.
Você vai a um bar de tapas e toma uma caña, que é o que seria o chope nosso, ou uma cerveja. E vai petiscando pequenas porções, o que deixa tudo um pouco mais informal. Não precisa esperar os pratos chegarem, toda aquela cerimônia. Os caras vão trazendo pequenas porções de comida descontraidamente. A tapa que fica pronta, ele já joga na tua mesa, e você vai comendo desse jeito, com as mãos.
As tapas valem por uma refeição?
No Nit é tudo em duplinha. Se você pede uma porção de croquetas, vêm duas. Ou uma porção de costela, vêm duas. Você pede uma tortilla de batatas, vem uma já pensada para ser dividida entre duas ou três pessoas. Você vai comendo, comendo, comendo e, ao final das contas, é uma refeição. Mas você também pode petiscar três ou quatro tapas e finalizar com uma paella.
Como é o clima dos bares de tapas espanhóis?
Para ser realmente autêntico, um bar de tapas tem que ter um balcão onde as pessoas possam sentar e comer. Uma coisa muito tradicional é aquele balcão cheio de tapas expostas. Você vai lá e fala: “uma dessa, uma dessa, uma dessa”. Mas nem todos têm esse balcão com tapas expostas.
Eu particularmente prefiro que tudo saia da cozinha, fica muito mais fresco. Na Espanha tem uma salada de batata com atum, que seria a maionese aqui no Brasil, que é servida sobre uma fatia de pão crocante. Se você deixá-la em cima do pão por meia hora, ele, com certeza, vai amolecer um pouquinho, não ficará mais crocante. No Nit, sai tudo da cozinha.
Em Madri, tem uns bares de tapas onde é muito comum jogar o guardanapo que você usa para limpar a boca no chão. É comum você chegar e ver o chão cheio desses guardanapinhos. O turista que não sabe, olha e fala “que bar sujo”. Já os espanhóis dizem “se tem mais papel, mais gente veio aqui, mais gente está comendo nossa comida”.
Em outros, onde as comidas ficam expostas, cada tapa tem um palitinho espetado. Você tem que guardar os palitinhos para apresentar na hora de pagar. Eles cobram de acordo com a quantidade de palitinhos que você apresenta. Óbvio que muita gente, e eu já fiz isso quando era moleque, quebrava o palitinho, jogava no chão, escondia no bolso. Mas acho que eles já colocam isso no preço.
O Nit é inspirado nos bares de tapas espanhóis?
Total. A gente tem balcão. Minha sócia era contra, falava que as pessoas não iriam entender a proposta, que prefeririam mesa. Ocorreu o contrário. Onde mais tem pedido para sentar é no balcão. A gente tem mesas altas e mesas baixas, isso nos bares de tapas também tem muito. Tem que ter uns presuntos pendurados. A chopeira também é superimportante.
Há uma variação dos tipos de tapas dependendo da região da Espanha?
Tem que ter uma croqueta com certeza, a mais tradicional é a de jamón. Tem que ter pintxus, expostos ou não. E, dependendo de cada região, você come umas tapas diferentes.
Na Catalunha, uma das mais populares é o pão com tomate e jamón, simples e saborosa, que você faz em casa em dez minutos. Tem que ter um bom pão, um bom tomate italiano e um bom azeite. Você corta o pão na horizontal e tosta. Corta o tomate pela metade, solta toda a polpa dele em cima do pão, rega com azeite e coloca o sal. Você pode comer isso sozinho, é uma delícia. Ou pode colocar uma fatia de jamón ibérico por cima, uma fatia de queijo manchego, ou uma sardinha em conserva. Esse pão é muito típico da Catalunha. Eu tenho isso no Nit.
As tapas são mais saudáveis, na linha da cozinha mediterrânea?
Para mim, comida saudável é comida de boa qualidade. Acho que tem tapas mais pesadas e menos pesadas, falando caloricamente. Sobretudo no sul da Espanha, o espanhol come muita friturinha. Camarão frito, croqueta frita. É tudo frito, o que é uma delícia para mim. Fritura é vida, é sabor. Se você tenta fazer uma croqueta na airfryer, nem começa. Tem umas tapas que são mais calóricas, mas outras nem tanto.
Quando a gente fala em tapas, isso está muito associado ao momento social, com bebidas acompanhando. Quais são as principais bebidas que os espanhóis usam para acompanhar as tapas?
Chope, com certeza, que na Espanha a gente chama de caña. Para as mulheres, há uma bebida que se chama clara, que é chope com um pouquinho de Schweppes de limão no copo. Fica mais suave.
Temos o tinto de verano, um drinque com vinho tinto, um pouco de Schweppes e limão. Muito refrescante, é como tomar um vinho tinto com gelo. Tem a sangria, obviamente, feita com vinho tinto e frutas maceradas e, em algumas receitas, um pouco de Cointreau, aquele licor de laranja, para dar um toque cítrico.
Em Valência tem uma bebida chamada água de Valência, uma mistura de suco de laranja, vodca e um pouco de Cava, que é um tipo de espumante. Muito bom para acompanhar frutos do mar, como ostras ou berberechos, que são um tipo de vôngole.
Na Catalunha, há os vermutes, que são à base de vinho tinto com especiarias. Cada um faz o seu, mas você consegue encontrar vermute já engarrafado. É costume falar “vamos tomar um vermute”, e a bebida já vem acompanhada de batatas chips, umas azeitonas ou amêndoas fritas.
Nesse caso, a expressão “vamos de vermute” equivale a um “ir de tapas”?
Já engloba todo esse processo. No sul da Espanha, onde é tudo muito barato, você pede qualquer bebida alcoólica, e eles já trazem uma tapa do dia de graça. Duas fatias de queijo, amêndoa frita, que a gente come muito lá, aliás, uma delícia, uma coisa do outro mundo.
É fácil de fazer essa amêndoa frita?
Superfácil. Na Espanha a gente usa a amêndoa Marcona, aquela mais gordinha, que não tem no Brasil. Mas eu já fiz aqui com a amêndoa normal sem casca e fica boa também. É só pegar uma frigideirinha com dois dedos de azeite, esquentar devagarzinho, jogar as amêndoas dentro e ir mexendo. Elas vão começando a pegar uma cor marrom. Aí você retira com uma escumadeira, coloca no papel-toalha para tirar o excesso de gordura e depois salpica sal. Quando esfria fica uma delícia, um vício.